segunda-feira, 6 de abril de 2015

O ESTADO BRASILEIRO É REALMENTE DEMOCRÁTICO?


 
 
Ana Helena Santos dos Reis[1]
 
            O termo democracia tem origem na palavra grega “demos” que significa povo. Assim sendo, no regime de governo democrático, é o povo quem detém o poder soberano de participação política.
O envolvimento popular nas decisões de interesse geral para a sociedade condiz com o ideal da República Federativa do Brasil. A instituição do regime democrático possibilita, em tese, a afirmação dos direitos naturais da pessoa humana.
A realidade social vivenciada no atual estágio de desenvolvimento indica que não somos efetivamente um país democrático, embora este regime de governo seja o mais condizente. Como bem ressaltou Bobbio (2000, p. 05) “a democracia não goza no mundo de ótima saúde, como de resto jamais gozou no passado, mas não está à beira do túmulo”.
O regime de governo democrático pauta-se na ideologia de que é preciso resguardar a supremacia da vontade popular, a liberdade de associação e a possibilidade de manter um permanente controle sobre o governo, pois, quando o povo expressa espontaneamente sua vontade presume-se que saberá resguardar a sua liberdade e igualdade.
No Brasil temos um regime de governo democrático, porque o povo lutou contra as arbitrariedades anteriores dos governantes, porque ansiou por uma forma de governo em que os seus desejos fossem atendidos e os seus direitos assegurados, o que não se via até então.
A função do Estado é dirimir os conflitos de interesses que surge nas relações entre privados e, garantir o bem-estar dos cidadãos, defendendo-os dos danos que podem provir da atitude de alguns indivíduos. O seu poder de punir visa impedir que a sociedade se divida em classes eminentemente paradoxais e se transforme em um estado de permanente anarquia.
 O Estado funciona enquanto subsistema da sociedade civil – o homem no regime democrático tem o poder de frear, por meio de seus representantes – democracia representativa, os abusos do governo, afinal, o legislativo tem por função fiscalizar o executivo. Estes, em tese, são órgãos harmônicos e independentes, devendo atuar de modo a favorecer o bem comum.
Tecidas essas breves considerações, necessário se faz ressaltar que todas essas noções de democracia não são efetivamente observadas no Brasil.
Primeiro porque, embora a Carta Magna e demais legislações infraconstitucionais informem que o regime democrático está pautado na soberania popular, em que os governantes chamam para si o cuidado para com os interesses públicos, a realidade diariamente noticiada em nossos telejornais e demais meios de comunicação apontam em sentido oposto.
O que se observa é que os nossos governantes, em sua maioria, agem em prol dos seus benefícios e de seus correligionários, não estando nem um pouco preocupados com as aspirações sociais, com o bem comum, tanto que, lamentavelmente, a regra é termos políticos corruptos, envolvidos em escândalos de lavagem de dinheiro, mensalões e que causam danos ao erário.
Outro argumento falacioso acerca da democracia brasileira pauta-se na idéia de que o voto é livre e secretoe que vivemos numa democracia representativa onde o poder de governo é exercido por alguns cidadãos que na condição de nossos representantes agem para atender as expectativas por nós depositadas. Ensina Dallari (2007, p. 56) que na democracia representativa “o povo concede um mandato a alguns cidadãos, para, na condição de representantes, externarem a vontade popular e tomarem decisões em seu nome, como se o próprio povo estivesse governando”.        
Em verdade, o que se observa é que essa liberdade do voto no Brasil não é operacionalizada em sua verdadeira acepção, afinal, a maioria dos cidadãos brasileiros, representados por pessoas de baixo poder aquisitivo, vendem o voto, em troca de favores pessoais, de trabalho, moradia, realidade esta típica dos “currais eleitorais” da República Velha. Como bem observou Demo (2006) “participação só pode ser conquistada. Aquela doada é presente de grego, porque vem do privilegiado, não do desigual”. Diante essa realidade, percebemos que os brasileiros, infelizmente, vêem no exercício do direito/dever de votar, um meio para adquirir benefícios pessoais.
Corroborando com essa assertiva Corrêa (2008) diz que “para Bobbio não existe democracia representativa se o poder é escamoteado dos mandatários e se há cidadãos mal educados para as regras do jogo democrático”.
Ressalte-se ainda a existência da ideologia democrática no sentido de que os governantes e governados se encontram em pé de igualdade. Ideologia porque sabemos que o Brasil é um país em subdesenvolvimento e marcado por elevados índices de marginalidade e pobreza. Ora, esses indicadores são vistos de maneira positiva para os nossos governantes propagarem a política do pão e circo.
Os políticos brasileiros preferem, para a manutenção do seu status quo, ofuscar a miséria social, a ter que adotar políticas públicas efetivamente voltadas para saná-las. O programa do governo Federal conhecido como Bolsa Família representa muito bem a política do pão e do circo.
Ao analisar criticamente essa realidade, Witt diz que “o governo ao invés de investir em educação, saúde, trabalho, se usurpa do dinheiro público, distrai a população com mensalidades gratuitas e deixa todos que recebem o agrado, muito felizes e agradecidos”. Seus beneficiários, por não terem noções efetivas de cidadania, o que constitui a verdadeira pobreza política, não questionam as misérias sociais e condições subumanas em que vivem. Como bem ressaltou Demo (2006) “doar a sustentação material é caracteristicamente uma forma de cultivar a pobreza”. Essa forma de agir demonstra que o governo brasileiro prefere empregar a unidade do poder em detrimento do silêncio dos subordinados.
Embora possamos vivenciar situações de descasos por parte da maioria dos governantes brasileiros, devemos buscar alcançar, embora seja difícil, uma sociedade livre de mazelas sociais, em que haja a democratização da educação de qualidade, do trabalho digno, de saúde pública em boas condições e, em que todos tenham acesso à justiça. É Direito de o cidadão poder participar da direção e gestão dos assuntos públicos e sociais.
Apesar de todos esses déficits, que indicam que não somos realmente um país democrático, esse regime político ainda mostra-se o mais condizente, afinal os seus ideais são efetivamente louváveis, cabe a nós cidadãos, enquanto parte do Estado, agir de modo a fiscalizar as condutas de nossos governantes. É negando a conivência que podemos transformar a realidade - somos livres para nos organizar e fazer a mudanças necessárias.
Como bem observou Kant “o homem saiu da menoridade, e como um maior de idade não mais sob tutela deve saber decidir livremente sobre a própria vida individual e coletiva”. Cada cidadão precisa atuar de modo contínuo em busca de melhorias, de modo a evitar que decisões arbitrárias venham a ser tomadas.
 
REFERÊNCIAS
 
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 7.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,2000. [Tradução: Marco Aurélio Nogueira].
 
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade – para uma teoria geral da política. Tradução por Marco Aurélio Nogueira. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.
 
CORRÊA, Vanderlei Antônio. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/17692/a-democracia-moderna-na-concepcao-de-norberto-bobbio. Acessado em 07 de novembro de 2011.
 
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 27. EdSão Paulo: Saraiva, 2007.
 
DEMO, Pedro. Pobreza política. Campinas: Autores Associados, 2006.
 
WITT. Bruna Rocha. Disponível em < http://www.artigonal.com/politica-artigos/a-politica-do-pao-e-circo-584140.html>. Acessado em 04 de novembro de 2011.