
 

O Padre Cícero Romão Batista nasceu na cidade do Crato, região Sul do Estado do  Ceará, em 24 de março de 1.844. Filho de Joaquim Romão Batista e Joaquina  Vicência Romana, carinhosamente chamada Quinô.
Desde cedo o menino Cícero  demonstrou interesse pela vida sacerdotal, pois era sempre visto na igreja, ora  ajudando o vigário nas suas tarefas, ora lendo histórias dos santos,  inspirando-se na vida de São Francisco de Sales decidido a manter-se em  permamente castidade, conforme está escrito em seu testamento.
Aos 16  anos de idade matriculou-se no colégio do renomado Padre Rolim, em Cajazeiras,  Paraíba, em 1.860, onde ficou menos de dois anos, pois, com a morte inesperada  do pai, vítima de cólera, em 1.862, teve que interromper os estudos e voltar  para casa, a fim de cuidar da família – a mãe e duas irmãs. A crise financeira  decorrente da morte do pai, transtornou a todos e só aos 21 anos de idade, com a  ajuda do seu padrinho de crisma, Coronel Antônio Luiz Alves Pequeno, Cícero  ingressou no Seminário de Fortaleza, em 1.865. Cinco anos depois foi ordenado  sacerdote. Em janeiro de 1.871 retornou a Crato, onde ficou aguardando nomeação  para prestar serviço em alguma paróquia. Em 24 de dezembro do mesmo ano,  atendendo a convite do Professor Semeão Correia de Macêdo, celebrou pela  primeira vez no povoado de Juazeiro, onde permaneceu três dias em contato com o  povo, tendo decidido poucos meses depois fixar residência ali, na função de  capelão. Tão logo chegou tratou de melhorar a capelinha exigida em 1.827 pelo  primeiro capelão, Padre Pedro Ribeiro de Carvalho, adquirindo várias imagens com  o fruto das esmolas dos devotos.
Foi o começo de uma obra que, anos  depois, perpetuou a memória do padre manso e bondoso, austero quando necessário,  piedoso e trabalhador que viria a ser cognominado de PATRIARCA DO  NORDESTE.
Naquela época, sob o ponto de vista comercial, o povoado de  Juazeiro oferecia pouca coisa aos seus habitantes. Não havia economia de mercado  propriamente dita. Imperava a miséria e a marginalidade despontava como  conseqüência natural. A esperança de uma mudança nesse quadro era representada  pela presença do padre.
Assim, o jovem sacerdote tratou de restabelecer a  ordem e os bons costumes do ambiente, conquistando rapidamente a simpatia dos  habitantes, tornando-se autêntico líder da comunidade. Juazeiro experimentou,  então, os primeiros passos de crescimento, atraindo pessoas da vizinhança,  curiosas por conhecer o capelão que tinha vindo do Crato.
De início, o  padre Cícero gozava da estima e confiança do novo bispo do Ceará, dom Joaquim  José Vieira, bem como do bispo anterior, dom Luís Antônio dos Santos, para quem  padre Cícero era um anjo.
Consta que em agosto de 1.884, quando de visita  pastoral ao Crato, dom Joaquim fez questão de enaltecer o trabalho do padre  Cícero. De passagem pelo povoado de Juazeiro, para consagrar a capela de Nossa  Senhora das Dores, iniciada pelo Padre Cícero, em 1.875, ele deixou escrito ali  o seguinte: "A capela começada pelo padre Cícero Romão Batista, sacerdote  inteligente, modesto e virtuoso, é um monumento que atesta eloqüentemente o  poder da fé da Igreja Católica Romana, pois é admirável que um sacerdote pobre  tenha podido construir um templo vasto e arquitetônico em tempos anormais quais  aqueles que atravessa esta diocese assolada pela seca, fome e peste".  Posteriormente acrescentou: " A virtude do padre Cícero enche todo o vale do  Cariri".
O bispo, porém, não sustentou essa opinião por muito tempo,  porque algo de muito grave aconteceu para martirizar a vida do "sacerdote  inteligente, modesto e virtuoso", sendo dom Joaquim a figura central desse  martírio.
Tudo começou no dia 6 de março de 1.889.
Ao participar  de uma comunhão geral, oficiada pelo padre Cícero, a beata Maria de Araújo não  pôde engolir a hóstia consagrada porque esta se transformava numa substância  vermelha, hematóide.
Tal fenômeno se repetiu várias vezes na presença do  público, sendo mais tarde testemunhado também por outros padres e médicos, os  quais, inclusive, chegaram a emitir atestado, concluindo tratar-se de fato  subrenatural para o qual não era possível encontrar explicação  científica.
Durante algum tempo o fenômeno permaneceu em sigilo, até ser  proclamado como milagre, em sete de julho do mesmo ano, por iniciativa de  monsenhor Francisco Monteiro, Reitor do Seminário do Crato, o qual organizou uma  romaria de cerca de três mil pessoas que saíram de Crato para Juazeiro, a fim de  observar a transformação da hóstia em sangue.
A partir daí, Juazeiro  virou centro de peregrinação – o embrião das grandiosas romarias de hoje; e  quebra-se a tranqüilidade da vida sacerdotal do padre Cícero, sobre quem desaba  uma campanha de inveja, de intrigas e perseguições.
Como era de se  esperar, o fato terminou chegando ao conhecimento do bispo dom Joaquim, que  escreveu ao padre Cícero, pedindo um relatório completo do ocorrido. Na verdade,  ele chegou até a repreender o padre Cícero, com firmeza, por não ter sido  informado de imediato dos "fatos extraordinários" ocorridos em Juazeiro, e  considerou sua negligência como sendo uma quebra do voto clerical de obediência.  Mas, não chegou a ser hostil, fazendo questão de ressaltar que confiava na  sinceridade do padre Cícero e o julgava incapaz de qualquer  embuste.
Padre Cícero atende à solicitação de dom Joaquim e remete o tão  esperado relatório sobre o "milagre", uma peça que, segundo o historiador  americano Ralph Della Cava, é um dos documentos mais curiosos da "Questão  Religiosa" de Juazeiro. ("Milagre em Juazeiro", 1977).
Como o relatório  nada esclarecia sobre a procedência do sangue, do Joaquim raciocinou que, se ele  era oriundo da hóstia consagrada, tratava-se, realmente, de um fato miraculoso  que merecia ser divulgado pelo mundo inteiro; se, por outro lado, o sangue era  da própria beata, então seria incoerência atestar que a hóstia se tivesse  transformado em sangue de Jesus Cristo, como todos  acreditavam.
Inicialmente, dom Joaquim usou apenas a estratégia de  permanecer distanciado do assunto, esperando que ele se diluísse por mesmo,  caindo no esquecimento geral. Enquanto isso, as romarias se acentuavam e o  número de crentes no "milagre" crescia de forma notável afamando o padre Cícero  e a beata Maria de Araújo.
Um fato novo, porém, com o qual o bispo não  contava, aconteceu para dar ponto positivo ao "milagre". É que um atestado  passado pelo médico Dr. Marcos Madeira, diplomado no Rio de Janeiro, conferindo  ao fato o caráter de sobrenatural, foi divulgado pela imprensa de forma  sensacionalista e, por conta disso a reação da população católica instruída do  Nordeste não se fez esperar.
Irritado, o bispo ordenou, então, que o  padre Cícero comparecesse ao palácio episcopal em Fortaleza, com urgência, para  ser submetido a um interrogatório.
A crença no "milagre" estava mesmo  fadada a obter o maior êxito, pois outro médico, o Dr. Idelfonso Correia Lima e  o farmacêutico Joaquim Secundo Chaves, convencidos da miraculosidade do fenômeno  da transformação da hóstia em sangue, assinaram também um atestado, endossando o  que fora afirmado pelo Dr. Marcos Madeira.
Estando a evolução dos  acontecimentos a ameaçar um final desastroso, não restou a dom Joaquim outra  alternativa senão a de formar uma Comissão de Inquérito com sacerdotes  competentes, jurídica e teologicamente, para verificar "in loco" o tão  extraordinário fenômeno que todos teimavam em considerar milagroso.
Tal  comissão, considerada de alto nível, foi constituída pelos padres Clicério da  Costa Lobo, chefe –comissário e Francisco Antero Ferreira, secretário. Os  trabalhos de investigação se iniciaram em nove de setembro de 1.891, após três  dias de recolhimento e orações, Seguindo orientações superiores, a comissão  levou a beata Maria de Araújo para a Casa de Caridade do Crato, a fim de que  seus trabalhos pudessem ser conduzidos sem a interferência do padre Cícero.  Mesmo assim o fato extraordinário se repetiu. E a comissão maravilhada ante a  perspectiva de estar assistindo a um milagre autêntico, concluiu o inquérito  dando parecer favorável.
O resultado não agradou a dom Joaquim que, em 19  de julho, já se antecipara optando por uma Decisão Interlocutória, proibindo o  culto aos panos ensanguentados e exigindo uma retratação pública do padre Cícero  que devia dizer ao povo que não acreditava naquilo que acreditava. Outra  comissão sob a chefia do padre Alexandrino de Alencar. Em dois dias, de 20 a 22  de abril de 1.892, esta concluiu as investigações com parecer desfavorável ao  "milagre" e que serviu de orientações aos censores eclesiásticos em Roma,  culminando com a pena máxima de excomunhão, que não foi posta em prática em face  da perigosa repercussão que certamente iria causar.
Suspenso de ordem,  proibido de oficiar atos religiosos, padre Cícero a tudo se submeteu com  resignação. Foi a Roma, por convocação superior, lá permanecendo quase nove  meses. Lá reconquistou o direito de celebrar missa e, regressando a Juazeiro,  estava convicto de que seria reabilitado pela Igreja. Por fim, novas sanções lhe  foram impostas, sendo definitivamente suspenso de ordem.
Os romeiros, que  não podiam encontrá-lo na igreja, se conformavam em ouvi-lo diariamente em sua  casa, em busca de conselhos, bem como de proteção espiritual. E ele atendia a  todos. Recebia e distribuía esmolas. Aconselhava-os oralmente e por escrito. Era  o padrinho de todos. Logo a seguir, privado dos misteres religiosos, padre  Cícero dedicou-se à política, atendendo a apelos dos amigos, como Antônio  Nogueira Acioli, substituído na chefia da presidência do Estado do Ceará pelo  coronel Franco Rabelo, mais para evitar que mãos estranhas conduzissem os  destinos de sua cidade, com a mesma ordem que ele conseguira até  então.
Ao lado do padre Alencar Peixoto, Dr. Floro Bartolomeu da Costa e  outros amigos, padre Cícero fez sentir a sua ação política, empreendendo o  movimento pró-emancipação de Juazeiro da jurisdição do Crato, fato consumado com  êxito em 22 de julho de 1.911. Com autonomia municipal, Juazeiro teve na pessoa  do padre Cícero o seu primeiro prefeito, cuja posse aconteceu em 4 de outubro do  mesmo ano. O padre Alencar Peixoto não gostou, já que reclamava para si esse  direito, pois foi pensando naquele cargo que ele abraçara o movimento de  independência e, inconformado, rompeu a amizade com padre Cícero e Dr. Floro,  saiu de Juazeiro e depois lançou um livro: "Juazeiro do Cariri", onde faz  severas críticas aos dois ex-amigos. Com isso, quem ganhou foi Dr. Floro que, ao  lado e à sombra do padre Cícero, desfrutando do seu enorme prestígio, conseguiu  ser o verdadeiro chefe político de Juazeiro, sendo depois eleito deputado  estadual e deputado federal.
Em 1.913, padre Cícero passaria a ser  novamente o centro de acirrada polêmica política, depois de ter sido afastado do  cargo de prefeito (11 de Fevereiro) pelo Coronel Franco Rabelo, presidente do  Estado do Ceará. Dr. Floro, na verdade, fôra convocado pelo Partido Republicano  Conservador para a chefia de uma revolução para depor Franco Rabelo do governo  cearense, eleito que fôra pelo partido contrário. Historiadores acreditaram ao  padre a liderança do movimento sedicioso o que sempre negou. Todos, porém,  concordam que a participação dele foi necessária, pois somente ele, com seu  indiscutível carisma e liderança seria capaz de conseguir a adesão dos  combatentes. Armas, munição e estratégia, ficaram a cargo exclusivo de Dr.  Floro.
As tropas rabelistas, aquarteladas em Crato, apesar de muito bem  municiadas, foram derrotadas no primeiro combate realizado no Cariri. Depois, os  rebeldes seguiram em caminhada vitoriosa com destino a Fortaleza, combatendo e  vencendo as forças do governo que encontravam pelo caminho. Movimento triunfou.  Franco Rabelo foi deposto. Dr. Floro cresceu politicamente a nível nacional.  Padre Cícero foi reconduzido ao cargo de Prefeito, onde permaneceu até 1.927,  onde terminou arranjando um punhado de inimigos que passaram a criticá-lo  chamando-o de protetor de bandidos.
Numa retrospectiva geral da vida do  padre Cícero, constata-se alaramente ter sido ele uma figura realmente  importante. Foi ele quem introduziu o hábito de se usar no pescoço o rosário da  Mãe de Deus, costume até hoje amplamente espalhado em todo o Nordeste  Brasileiro. Fundou as Conferências Vicentinas e o Apostolado da Oração, ainda  hoje em funcionamento. Muito contribuiu para a educação de seu povo, dando aulas  particulares, custeando despesas de estudante pobres e ajudando financeiramente  na criação de novas escolas, tendo especialmente para este fim deixado grande  parte de seus bens, como herança, à Congregação Salesiana. Foi pioneiro da  campanha encetada para a construção do Seminário do Crato. Na terrível seca de  1877 desempenhou papel de destaque, tendo intercedido junto aos poderes  competentes, no sentido de serem as vítimas socorridas, recebendo toda a  assistência possível na época.
No global, sua atuação extrapolou os  limites de sua ação como valoroso pastor de almas. Exerceu grande influência no  desenvolvimento da agricultura, incentivando o cultivo da mandioca, da cana de  açúcar, etc.; da pecuária, promovendo a introdução do gado zebu e da indústria e  comércio, estimulando o surgimento de novas empresas que aceleraram o  crescimento de Juazeiro e da região do Cariri.
Praticou, também, a  medicina popular, como forma alternativa de cura, prescrevendo remédios caseiros  à base de ervas medicinais, com excelentes resultados, e contribuindo desta  forma para a expansão do ramo de comércio da fitoterapia. Aliás, até hoje muita  gente continua repetindo as receitas do "Padim Ciço".
No campo religioso,  direcionou uma devoção toda especial a Nossa Senhora das Dores, padroeira de  Juazeiro, e que juntamente com a romaria dedicada à sua própria pessoa, após a  sua morte, terminou por transformar Juazeiro num dos maiores centros de  religiosidade popular da América Latina.
E, finalmente, fez florescer um  tipo "sui generis" de artesanato bastante apreciado no Brasil e no exterior e  que absorve um número incalculável de artistas. Essa atividade, até hoje em  evidência, representar o meio de vida, a fonte de ganho e de sustentação  financeira de milhares de pessoas.
Padre Cícero faleceu no dia 20 de  julho de 1.934, com 90 anos de idade, em Juazeiro do Norte, acometido de  renitente enfermidade renal e outras complicações orgânicas. Sua morte, como era  de se esperar, causou profunda e incontida consternação no seio da população  local assim como aos seus milhares de devotos espalhados por todo o Nordeste do  Brasil.
Muito pensaram que morto o ídolo, a cidade que ele fundou e a  devoção à sua pessoa acabariam em pouco tempo. Nada disso, porém,  aconteceu.
A cidade de Juazeiro do Norte é hoje a maior do interior  cearense, com contínuo ritmo de desenvolvimento a ele continua sendo uma das  figuras mais destacadas do clero brasileiro, objeto de estudo por parte de  historiadores e cientistas sociais, em função de quem foram defendidas muitas  teses de mestrado e doutorado no País e no exterior, e seu nome transformou-se  num robusto volume editorial, com mais de uma centena de obras publicadas a seu  respeito, afora um incontável número de artigos e trabalhos diversos espalhados  pela imprensa em geral, sendo inclusive tema de filmes e documentários de  televisão.
Rejeitado pela Igreja, tornou-se o verdadeiro santo dos  nordestinos e como tal é venerado à revelia de Roma.
Em todas as partes  do Nordeste há referências às mais diversas curas e graças alcançadas por sua  intercessão, muitas das quais considerada como autênticos milagres. A fé do povo  no seu santo é inabalável. Padre Cícero deixou o mundo dos vivos, mas, continua  vivendo no coração de todas que cultuam sua  memória.
Fonte:www.padrecicero.com.br