sábado, 14 de abril de 2012

A corrupção, os agentes e a sociedade.

A corrupção, os agentes e a sociedade.



Será que este é o momento em que se teve mais corrupção no país? Sei não. O bom agora é que a sociedade despertou e a imprensa cobra. A história mostra que a corrupção é um fato no Brasil por séculos. Agora, no entanto, está sendo desnudada.

Estive em Assunção para lançamento de um livro e lá os paraguaios afirmam, com argumentos fortes, que Itaipu, que custou 20 bilhões de dólares, teve um superfaturamento de, no mínimo, três bilhões de dólares. Ou mais de seis trilhões de cruzeiros. Os 30 mil dólares do Magri ou os 300 milhões de cruzeiros das bicicletas do Alceni parecem brincadeiras. Grandes fortunas no Brasil nasceram entre empreiteiros na década de 1970. Naquele tempo a sociedade ainda não despertara para o assunto e a imprensa estava entorpecida e sem autonomia. O momento atual é, pois, especial e bom. A cobrança constante vai, pelo menos, sofisticar o roubo. Estava muito descarado. Ao invés de aceitar que no momento tem-se mais corrupção talvez seja melhor acreditar que agora a mesma está mais à mostra, principalmente pelo trabalho da imprensa.

Falta, na verdade, a punição. Sem isto não vamos sair do lugar. Não é que não haja corrupção em outros países. Há, porém se pega, a coisa se complica. Nos EUA, por exemplo, a lei é rigorosíssima no assunto. Vai para a cadeia mesmo. Não importa o nome e o poder econômico da pessoa. Aqui, falando como estudante de história, não conheço um só caso de punição completa por corrupção de altos burocratas ou empresários. Até o México, país de um partido só, de vez em quando bota um na cadeia. Aqui não. O padre Antonio Vieira, no Sermão do Bom Ladrão, dizia que “faltava a justiça punitiva para expulsar os humores nocivos”. Isto em 1665. Continua faltando. Sem isto fica difícil meter medo nos mais afoitos.

O diabo é que alguns desses mais afoitos, principalmente nos governos, em certos momentos e círculos, são considerados os mais sabidos. Aqueles que pensam diferentes são olhados como estranhos e vão, na intimidade do poder, sendo excluídos, marginalizados. Começa a existir uma espécie de código e comportamento diferente entre os tais mais sabidos. E é aí que complica tudo. Do outro lado, o agente ativo, os empreiteiros, por exemplo, rapidamente entende com que tem que atuar. É negócio de profissional e rápido.

Na maioria dos casos de corrupção ninguém fala no agente ativo, no corruptor. A punição e o exemplo deveriam ser primeiramente em cima de quem pratica o aliciamento. Na Venezuela, depois do povo ir para as ruas por melhores condições de vida e gritar contra a corrupção, a associação de empreiteiros de lá começa expulsar da entidade quem corromper agentes do governo. Se a moda pegasse aqui a maioria dos atos de corrupção nos governos tenderiam a desaparecer.

Lembro de um caso interessante. Em fevereiro de 1987, após vencer as eleições em novembro do ano anterior, um grupo de pessoas daqui, eu no meio, foi passar o carnaval no Rio. Num piscar de olhos estávamos no Sambódromo em camarotes especialíssimos. Com uma estrutura de atendimento de dar inveja. Para fixar melhor, foi aquele carnaval em que a Claudia Raia e principalmente a Luma de Oliveira vieram como o diabo gosta. As empreiteiras tinham comprados os melhores camarotes, contratados bons serviços de atendimento, e iam, num trabalho de lobby antecipado (ou continuado), distribuindo aqui e ali. Interessante é que essas distribuições eram para os estados da federação mais fracos economicamente, assim como para países africanos. Não se fazia aquilo, por exemplo, para São Paulo. Talvez para lá a coisa fosse mais sofisticada. A verdade é que o trabalho de aliciamento das empreiteiras é de tirar o fôlego. Nem todos conseguem se segurar. Os que pensam diferente, numa inversão danada das coisas, são os tontos do processo.

Os fatos indicam, no entanto, que não é só o homem público nem o burocrata ou o agente ativo que são corruptos. É fácil atirar pedras. Eles são reflexos, positivos ou negativos, da sociedade. E boa parte da sociedade tem uma tendência estranha. Será que todos pagam seus impostos ou será que todo comerciante dá a nota de compra? E, também, por que o comprador não a exige? Temos escritórios especialistas que, com linguagem diferente, vendem só serviços de como sonegar. Lembro de um empresário de bom porte que dizia que gastava uma parte do tempo descobrindo meios de como sonegar ou ganhar mais na caneta. Afirmava também que se o “país fosse sério” ele poderia gastar esse tempo em encontrar meios para produzir melhor. Ou seja, até ter maior produtividade ou ganhar na sonegação, na caneta ou sobre o preço, opta-se pelos últimos.

Alguém poderia alegar que não paga direito suas obrigações porque não sabe para onde irá o dinheiro. É uma boa colocação. Com a cobrança atual talvez os atos de corrupção diminua (ou sofistique). A dúvida é saber se a sociedade cumprirá sua parte. É comum aceitar que no Brasil, ou em toda América Latina, não são cumpridos as obrigações com o fisco. Será porque tememos que o dinheiro não seria bem aplicado ou, o que seria pior, o tecido social está com problema. Se for o trabalho de combate à corrupção deverá tomar tempo e esforço.

Mas, quem sabe, um dia ainda a honestidade será um bom investimento tanto para muitos homens públicos quanto para boa parcela do empresariado. Ai, talvez, a sociedade cumpra também a sua parte. Ou seria o inverso?

Alfredo da Mota Menezes escreve às terças feiras para
A Gazeta. Publicado no inicio de 1990.

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